26 de jun. de 2017

Resenha: Garota em pedaços

Garota em Pedaços
Kathleen Glasgow
2017, Planeta

SINOPSE:
Quando o plano de saúde de sua mãe suspende seu tratamento numa clínica psiquiátrica – para onde foi após se cortar até quase ficar sem vida –, Charlotte Davis troca a gelada Minneapolis pela ensolarada Tucson, no Arizona (EUA), na tentativa de superar seus medos e decepções. Apesar do esforço em acertar, nessa nova fase da vida ela acaba se envolvendo com uma série de tipos não muito inspiradores.
Cansada de se alimentar do sofrimento, a jovem se imbui de uma enorme força de vontade e decide viver e não mais sobreviver. Para fugir do círculo vicioso da dor, Charlotte usa seu talento para o desenho e foca em algo produtivo, embarcando de cabeça no mundo das artes. Esse é o caminho que ela traça em busca da cura para as feridas deixadas por suas perdas e os cortes profundos e reais que imprimiu em seu corpo. 

Garota em pedaços.. só de ler a sinopse já dó um nó no estômago ao imaginar o que nos espera nas 383 páginas desse romance de estréia da escritora Kathleen Glasgow, publicado pela Editora Planeta esse ano. Confesso que demorei um pouco para iniciar a leitura, fui deixando de lado, passando outros na frente, pois não queria uma história pesada. Mas quando eu comecei... não larguei mais. O tema é pesado sim, mas a escritora foi genial na sua narrativa. Ela conseguiu expor um tema complicado, repleto de preconceitos e julgamentos de uma forma que chegou um pouco mais suave ao leitor. Um narrativa que chega a ser poética por diversas vezes. Ela me conquistou. 

A história começa com Charlotte internada em uma clínica para pessoas que praticam automutilação e aos poucos vamos conhecendo mais da personagem, ao passo que ela vai se recordando de tudo o que viveu e que a levou até ali. Já temos ai o primeiro impacto: a vida de Charlotte foi toda errada e uma sucessão de acontecimentos a transformou em uma garota triste e sem futuro. No nosso dia a dia, chegamos a ser críticos com jovens que se perdem, que se deixam levar por vícios ou por fraquezas e quando nos deparamos com um história como a de Charlotte, que é uma ficção, mas expõe o que muitos jovens vivem, percebemos que pode sim um jovem se anular completamente a ponto de ser alvo fácil para traficantes, cafetões ou sociopatas.

Charlotte sofreu com a morte do pai, com a violência da mãe, com a escolha em morar na rua e viver do lixo, com o desamparo e o abuso. Buscou na automutilação uma força para continuar. É como se de toda a dor que o mundo impõe a ela, se cortar é só mais uma, e pelo menos essa dor, ela escolhe quando sentir.  E ela faz isso até quase morrer. Passada a agressão e curados os ferimentos, ficam as cicatrizes que a marcam para sempre e a tornam ainda menor, pois diante do mundo ela não tem coragem de mostrar seu corpo. São braços e pernas que contam sua história ao mundo. Se sente feia, deformada e impossível de ser amada. O que foi um pequeno alívio, se torna uma sentença para a vida toda. 

Quando sai da clínica, Charlotte teme não ter forças para seguir os passos que lhe foram ensinados durante o tratamento, dá algumas escorregadas e mantém sempre por perto seu "kit do amor", como ela chama sua caixinha com cacos de vidro e materiais para curativos. Mas ela segue em frente, arruma um trabalho, tenta namorar. Infelizmente, Riley é alguém tão ferrado quanto ela e que ao invés de a levar para longe dos perigos, a coloca mais ainda em tentação. E tentação é o que não falta para ela, que tem a vontade de se cortar sempre rondando seus pensamentos. Seu único refúgio é sua arte: ela desenha muito bem e pode ser essa a luz no fim do túnel.

A história tem outros personagens interessantes, como Blue, a amiga de Charlotte que vivia também na clínica, Ariel, a artista plástica que reconhece a dor na garota por ter ela também uma história familiar que não acabou bem. Mikey, o amigo que ofereceu ajuda quando nem a mãe se propõe a estar perto, entre outros. 

Esse livro me emocionou, me fez refletir e mudar a forma como vejo (e julgo!) algumas situações. Foi uma leitura gratificante.

No final, na "Nota da autora" entendemos o motivo de Kathleen falar com tanto sentimento sobre a vida de Charlotte: ela mesma tem sua pele marcada pela automutilação!

Garota em pedaços, eu recomendo!

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